As duas estadias que vivi na França foram por conta de cursos de pós-graduação, nos quais eu realizei pesquisas sobre luxo e alta costura. Nesta coluna, compartilho com vocês como foi estudar moda em Paris, um sonho que eu tinha desde quando me conheço por gente!

Mulher com materiais de costura em sua frente.
Índice Infância, o começo de todo sonho Uma relação conturbada Como foi estudar moda em Paris As fabulosas bibliotecas da capital francesa A história da moda materializada Encontrando costureiros do século XX Em Paris, a moda não para O sonho continua

Infância, o começo de todo sonho

O jeito que comecei a estudar moda em Paris foi bem singular. Por isso, antes de contar como cheguei lá, vale recuar um pouco no tempo para explicar a vocês como e quando esse grande sonho nasceu.

Eu me interessei por moda ainda muito nova, e assim como algumas crianças que tinham essa mesma fascinação, passei boa parte da infância desenhando peças de roupas ou montando looks nas minhas Barbies.

Com 16 anos, meu passatempo preferido era ler revistas sobre moda. Assim que eu chegava em uma livraria, ia direto buscar as publicações internacionais e ficava namorando as caríssimas Vogues e Elles francesas.

Essa última logo se tornou minha preferida. Na falta de meios de comprar (e compreender) uma publicação da França, passei a ser leitora assídua da Elle Brasil. Eu comprava o exemplar todos os meses (guardo minha coleção com muito carinho até hoje) e, para além de observar as belíssimas fotos, me dedicava muito a entender o que estava sendo dito naquelas páginas.

De certa forma, foi ali que comecei a estudar

Lembro que, com frequência, eu via algumas palavras e expressões cujo o significado eu desconhecia, como haute couture, prêt-à-porter ou noir. Elas sempre eram acompanhadas de nomes sobre os quais eu nunca tinha ouvido falar, mas pareciam importantes para aquele mundinho.

Eu marcava todas minhas dúvidas com post-its, como uma forma de lembrar de pesquisar o significado dessas coisas.

Uma relação conturbada

Conforme eu fui ficando mais velha, esse interesse pela moda começou a se alternar entre fases de muita paixão e de muita raiva. Uma hora, eu amava cegamente tudo que lhe dizia respeito, na outra criticava cada um de seus elementos.

Calhou que, na hora de prestar o vestibular, eu sentia mais raiva da moda do que amor, e acabei me matriculando no curso de ciências sociais. A partir daí, foi um longo percurso até me formar e começar uma pós-graduação em sociologia.

Quando decidi prestar o processo seletivo para o mestrado, eu vivia novamente uma fase de amor à moda. Então, me inscrevi com a proposta de realizar uma pesquisa na qual as marcas de luxo tinham importância substancial.

No segundo ano de mestrado ganhei uma bolsa de estudos para fora do Brasil, e eu pude escolher, junto de meu orientador, qual seria o melhor lugar para realizar minha pesquisa. Ele, sem titubear, disse: França.

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Eu jamais pensaria que um mestrado em sociologia seria o que me levaria a estudar moda em Paris, mas foi exatamente isso o que aconteceu!

Fiquei seis meses fazendo meu mestrado na França, e após 4 anos retornei à capital francesa para mais uma temporada, dessa vez para o doutorado.

Como foi estudar moda em Paris

Por isso, meus estudos de moda na França nada tiveram a ver com a criação de roupas. Faço parte de uma área de estudos, ainda pequena no Brasil, que se dedica a pensar a moda a partir de um arcabouço sociológico.

O fato de estar vinculada a uma pós-graduação em sociologia no Brasil fez com que minhas afiliações às Universidades francesas fossem desse campo do conhecimento específico. Portanto, em vez da famosa ESMOD ou do Institut Français de la Mode, meus estágios de pesquisa foram na Fondation Maison des Sciences de l’Homme e na Sorbonne.

Apesar disso, te garanto que minha experiência de estudar moda em Paris foi tão mágica quanto criar uma peça em um manequim! Eu tinha uma grande liberdade para escolher onde e como realizar minha pesquisa. E, como vocês podem imaginar, na França opções não faltam.

Buscando redes e conhecendo lugares

Nesse sentido, os primeiros meses em Paris foram dedicados a explorar as redes nas quais eu poderia me inserir.

Descobri muito rapidamente que, diferentemente do Brasil, a moda é um assunto amplamente discutido em várias Universidades francesas. Eu achava incrível como cursos vinculados à grandes instituições de ensino tinham formações voltadas à moda, ao mercado de luxo e aos grandes criadores e costureiros.

Ao longo do tempo, encontrei pesquisadoras e pesquisadores ótimos, de várias gerações, que foram muito solícitos comigo. Trocávamos dicas de pesquisa, impressões e, claro arquivos antiquíssimos.

Também fui apresentada a criadores de moda e jornalistas que cobrem os eventos da capital parisiense há anos; bem como a profissionais que facilitaram a interpretação de alguns casos que eu analisava em minha pesquisa.

Além disso, eu acompanhava vários seminários enquanto ouvinte, nos quais eu treinava meu ouvido para o novo idioma, e tomava nota das referências de leitura.

Também ficava muito atenta à programação dos museus de moda da cidade, que sempre ofereciam palestras sobre o tema. Elas eram gratuitas e permitiam o contato mais próximo tanto com interlocutores, quanto com outros pesquisadores da área.

A maior escola de moda na França, o Institut Français de la Mode (IFM), também promovia atividades desse tipo, além de permitir a participação de alunos não matriculados em suas aulas. Lembro-me da primeira vez que fui até à sua maravilhosa sede para uma conferência que seria no auditório que levava o nome de um grande costureiro francês, Yves Saint Laurent.

Estudiosas assistindo uma conferência de moda em Paris
Nas conferências era possível acompanhar as diversas pesquisas em moda que estavam em curso na cidade. Foto: Bárbara Ábile

Depois de um tempo, descobri que o primeiro diretor do IFM foi ninguém menos do que o companheiro de Saint Laurent, Pierre Bergé. Foi super emocionante perceber essas ligações!

As fabulosas bibliotecas da capital francesa

Igualmente incrível foi fazer buscas nos catálogos de bibliotecas de Paris e encontrar um volume imenso de materiais sobre moda que eu poderia consultar. Quem já tentou fazer isso de alguma biblioteca do Brasil sabe que, salvo algumas poucas exceções, os resultados são consideravelmente menores.

Para além da quantidade de materiais, preciso ressaltar também a antiguidade deles e, claro, a variedade.

Em uma só biblioteca eu podia consultar a última edição da Vogue Paris e uma revista de moda do início do século XX; catálogos de exposições que rodaram o mundo décadas atrás e relatórios oficiais sobre a indústria do vestuário francesa no século XIX.

Conheci tantos livros, autores, dossiês e coletâneas que costumo dizer que foi só aí que aprendi, de fato, um pouco mais sobre moda. Finalmente, as respostas às perguntas que eu colava em minhas Elles começavam a ser respondidas.

A história da moda materializada

Logo nos primeiros meses em Paris eu tive certeza de que eu tinha escolhido a cidade certa para estudar moda. Isso fez com que meu trabalho não se limitasse às quatro paredes das belíssimas bibliotecas da capital francesa.

Uma vez inscrita nas redes de pesquisadores, pude fazer visitas guiadas por especialistas aos arquivos de algumas marcas. Nessas visitas, era possível ter contato com peças de décadas atrás, antigos croquis e documentos administrativos das maisons mais importantes do país.

Estudo de marcas de moda em Paris.
Explicações sobre a construção de uma peça, durante visita em arquivo da marca Chloé. Foto: Bárbara Ábile.

Além disso, eu via materializado, em vários cantos da cidade, tudo aquilo que eu havia visto nos livros da minha área de investigação. Por isso, após ficar o dia todo estudando, eu adorava percorrer as ruas de Paris e passar pelos lugares sobre os quais eu tinha lido.

Exemplos são os grands magasins e o sindicato patronal francês que regula, até hoje, a atribuição da nomenclatura alta costura. Ou ainda, os endereços onde as primeiras grandes maisons do tipo foram abertas, como o número 7 da Rue de la Paix, onde ficava a maison Worth; ou o endereço histórico da Dior, na Avenue Montaigne.

Além de, é claro, lugares específicos da cidade, como a Place Vendôme, e a famosa escadaria com espelhos da Chanel, na rue Cambon.

Torre Eiffel? Não, exposição de moda!

Os museus de moda em Paris também foram muito marcantes ao longo da minha estadia. Eles não só me ajudaram muito na pesquisa, como foram também motivo de realização pessoal, já que eu pude ver muitas peças de pertinho. Brinco que, estar nesses lugares, para mim, foi o equivalente a uma pessoa católica estar no Vaticano!

A exposição Christian Dior, couturier du rêve, que estreou em 2017 no Musée des Arts Décoratifs foi muito emblemática, nesse sentido. Lembro-me que eu decidi alterar as datas de meu intercâmbio na França com o objetivo de chegar a tempo de ver essa exposição, que finalizaria na primeira semana de janeiro de 2018.

Dito e feito: dois dias após pisar em Paris pela primeira vez, resolvi ir à tal exibição. Enquanto os estudantes que chegaram ao mesmo tempo que eu na cidade passavam o dia turistando, eu tratei de resolver minha maior e mais importante pendência.

Exposição no museu Galliera, em Paris.
Exposição em homenagem a Alber Elbaz. Foto: Bárbara Ábile.

Os bilhetes online nem estavam mais disponíveis, tamanho o número de pessoas que queriam aproveitar os últimos dias do evento. Portanto, a única forma de conseguir entrar no museu era me dirigindo até ele, e comprando um ingresso na bilheteria física.

Ela abria as 11h, eu cheguei por volta das 11h30 e a fila já estava gigantesca. Mais precisamente, ela começava na entrada do Musée des Arts Décoratifs, passava pela Rue Rivoli, dobrava a esquina e continuava dentro do Jardin des Tuilleries. Devia ter mais de 3 km, no total – o que mostra que não é à toa que sempre sugiro que vocês comprem ingressos com antecedência!

Desisti na hora e decidi que tentaria no dia seguinte, que eu chegaria mais cedo e mais preparada.

A longa e fria espera para ver Dior

No outro dia, eu já estava lá às 9h, e a fila estava na esquina da Rivoli com a Avenue du Géneral Lemonnier. Mas, como eu havia chegado mais cedo, pensei que a coisa seria mais rápida, e eu entraria logo.

Que engano!

Levei um lanchinho na bolsa, mas obviamente não foi o suficiente. Logo percebi também que minhas roupas não eram muito adequadas para o frio invernal que fazia no dia.

Algumas pessoas desistiram depois de 3 horas de pé naquela temperatura, que se chegou a 10ºC foi muito. Vários veículos de comunicação passaram por lá, muita gente filmou, e os vizinhos olhavam da janela meio incrédulos. Eu confesso que também quase desisti. Mas pensava em tudo o que teria lá dentro e me concentrava dizendo para mim mesma “só mais alguns minutinhos”.

Entrei às 15h30 e, como em um passe de mágica, esqueci de todo o perrengue vivido até então. Fiquei horas na exposição e saí extasiada.

Vi de perto o famoso New Look da Dior e fiquei longos minutos olhando para aquela silhueta que povoava meu imaginário desde quando eu folheava revistas estrangeiras na Livraria Cultura, da avenida Paulista. E ele estava lá, perfeito, bem na minha frente.

Encontrando costureiros do século XX

Eu achava que mais nada poderia superar aquele momento de ver o New Look até visitar, na semana seguinte, o Museu Yves Saint Laurent. O espaço, que também já abrigou os ateliês de alta costura da maison, hoje é um lugar de homenagem e memória à contribuição do costureiro para a moda.

Além de belíssimas exposições, a partir das quais você pode conhecer detalhes sobre o trabalho de Saint Laurent, no último andar está intacto o escritório e ateliê que ele trabalhou e frequentou até seu falecimento, em 2008.

Depois desses dois museus, desisti de pensar que nada mais superaria aquelas experiências e, por sorte, eu estava certa!

Nessas temporadas estudando moda em Paris pude ver peças de Poiret, Vionnet, Schiaparelli e Worth. Passei por inúmeros Dior, Yves Saint Laurent, Courrèges, Givenchy e Balenciaga. Realizei o sonho de ver criações de John Galliano, as mesmas que também via estampadas na Elle, a uma distância de poucos metros de mim. Me apaixonei perdidamente por Martin Margiela e Rei Kawakubo.

Também visitei o primeiro ateliê Louis Vuitton, que abre pouquíssimas vezes ao ano, onde vi as primeiras malas confeccionadas. Acompanhei oficinas de bordado comandados pelo ateliê que borda as peças Chanel. Vi peças em restauração da Balenciaga na sede da Kering.

Assisti a uma demonstração de como os perfumes Dior são embalados manualmente, um por um. Pude conhecer o Museu Pierre Cardin, e contar com a visita guiada da pessoa que foi a assistente do costureiro, desde o início de sua carreira.

E como se não bastasse, entrava e saía de muitos desses e de outros museus de moda gratuitamente, já que eu era estudante da área. Passar meus dias por entre essas criações, me emocionando e me nutrindo da coisa que mais amo na vida foi a parte mais especial de estudar moda em Paris.

Em Paris, a moda não para

Foi interessante perceber que, para além dos museus, arquivos e exposições que remetiam à criações antigas, a moda ainda acontece em Paris. A quantidade de visitantes que salões profissionais, como o Première Vision e o Salon du Luxe, recebem é prova disso.

Além disso, é visível como a cidade muda drasticamente a cada semana que moda que ela recebe. Eu amava sair pelas ruas, me deparar com uma estrutura imensa em vários pontos da cidade, suspeitar que lá seria realizado um desfile e ter a prova disso alguns dias depois.

Placas de ruas parisienses.
A cada passo em Paris, é possível encontrar uma referência à moda. Foto: Bárbara Ábile.

Me divertia muito também quando eu passava pelas entradas dos desfiles e via as fotos de streetstyle sendo feitas bem na minha frente. Às vezes, até acontecia de encontrar famosas blogueiras de moda andando por lá, com os looks desfilados em passarelas das temporadas anteriores.

O sonho continua

Assim como na moda, também vivi fases de estar completamente apaixonada ou cheias de críticas à Paris. Mas esses sentimentos foram tão efêmeros quanto a passarela de uma fashion week.

Atualmente, sigo pesquisando e escrevendo sobre moda, assim como continuo planejando a próxima temporada na capital francesa. Suspeito, e espero, que esse ciclo se repetirá por um bom tempo.

Arquivos de moda em biblioteca francesa.
Estudar moda em Paris é alternar entre pilhas de arquivos e horas em exposições. Foto: Bárbara Ábile

É engraçado que, por mais que estudar moda em Paris tenha sido a realização de um sonho de infância, confesso que eu não entendia como eu havia me adaptado tão rápido a um país, a uma língua e a uma cultura tão diferente da minha.

Hoje, fica claro que minha familiaridade e paixão pela moda foi o que fez de Paris uma cidade familiar e apaixonante para mim. Uma não existe sem a outra, e eu não existo sem elas.