Roupas de luxo, boinas, joias, maquiagem e salto alto. Seria essa uma descrição real do estilo das mulheres que encontramos nas ruas de Paris ou apenas o mito da parisiense? Nesta coluna, te levo para pensar sobre isso comigo, em uma tentativa de problematizar esse mito e reformulá-lo a partir de traços mais reais e gentis.

Saindo do imaginário

Como alguém que trabalha com moda e é apaixonada pelo assunto, me interesso muito pela forma das pessoas se vestirem, e é claro que isso se intensificou quando fui morar na França.

Andar pelas ruas de Paris, para mim, é como brincar de caçar tendências. Estou o tempo todo atenta aos tipos de peças que mais aparecem, passo facilmente horas dentro de lojas vendo o que está sendo vendido e, é claro, me inspiro com os vários looks que vejo.

Muita gente que sabe desse meu hábito vem me perguntar se as parisienses andam nas ruas como se tivessem saído de um editorial da revista Vogue – ou, para ser mais francesa, da Elle. E toda vez que eu respondo que, definitivamente, elas não andam dessa forma, me olham com um ponto de interrogação estampado na cara.

Antes de morar na França, confesso que eu tinha essa mesma crença de como as mulheres, e mais precisamente, as parisienses, se vestiam. No entanto, logo percebi que esse estilo que sempre habitou o imaginário da maioria das pessoas não passa de um mito.

Para ser mais precisa: não é que o estilo não exista, mas ele está longe de ser aquilo que as pessoas normalmente imaginam que ele é.

Como você caracterizaria o estilo da parisiense?

Te faço essa pergunta por um motivo bem simples: eu nem descrevi o tal estilo, mas eu tenho certeza de que você sabe do que eu estou falando. E é bem revelador o fato de que a maioria das pessoas o caracterizem a partir de termos bem semelhantes – e tudo começa com a camiseta listrada, o batom vermelho e a boina.

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No entanto, se você mora em Paris ou já viajou para a França, talvez tenha reparado que a maioria das pessoas que se vestem assim são, na verdade, as turistas de passagem pela cidade.

Apesar disso, é completamente recorrente encontrar parisienses sendo representadas em produções audiovisuais com uma composição de roupa tão perfeita que chega a ser, na minha opinião, ringarde, cafona. A diferença entre ficção e realidade é gritante!

Se você se pergunta como essa ideia da parisiense foi construída, eu te digo: ela se solidificou no século passado, mas a gente encontra bem antes disso algumas referências que afirmam que a moradora da capital da França é dona de um estilo muito particular.

O estilo da parisiense personificado

De maneira geral, a noção da parisiense enquanto ícone de estilo foi sendo difundido através de jornais, literatura, teatro, músicas, revistas, séries, filmes e mais recentemente internet. Contudo, o estilo pouco tem a ver com a origem geográfica, de fato. Não à toa, uma das parisienses mais famosas na década de 1970 era, na verdade, inglesa: Jane Birkin.

Um outro nome pode vir à cabeça quando se fala do estilo em questão: a modelo Inès de la Fressange, muito famosa nos anos 1980 e 1990. Nascida no sudoeste da França, sua fama de parisiense é tanta que, em 2010, ela publicou um livro que faz as vezes de um guia de estilo para quem quer adotar essa forma de se vestir.

O livro foi lançado em mais de 21 países, se tornou um best-seller e eu admito: tenho um exemplar aqui em casa.

Mulher com cachorro em frente a um café.
Inès de la Fressange defende que o segredo da parisiense está nas combinações de roupas mais simples.

Um rosto mais contemporâneo desse estilo tão aclamado seria Jeanne Damas. Única da lista que é parisiense até na origem geográfica, nos últimos anos ela chamou muita atenção nas redes sociais, muito por conta de suas aparições nas semanas de moda de sua cidade natal.

Damas, que realmente se veste de maneira encantadora, soube rentabilizar a parisiense que habita nela e transformou seu estilo nonchalante em marca de roupas.

Je ne suis pas parisienne – ainda bem!

O estilo de se vestir que constitui esse mito da parisiense não se resume em um tipo de roupa específico, até mesmo porque as formas de se vestir se alteram de maneira efêmera na moda. Há outros elementos que ajudam a montar esse perfil, e esses sim, perpassam as décadas e se mantém até hoje.

Mas, sinto dizer a vocês que eles são um tanto problemáticos. Eu poderia encarnar minha persona socióloga e discorrer aqui sobre os motivos: de como essa personagem parisiense é criada a partir da hierarquia entre capital e província; até como ela é fruto de uma sociedade patriarcal.

Contudo, vou me deter em apenas um ponto: em como esse perfil da parisiense é, no mínimo, contraditório.

Afinal, ela é uma mulher que está sempre arrumada e bem-vestida, mas que não pensa em combinação de peças. Que usa pouca ou nenhuma maquiagem, mas não tem acne, linhas de expressão ou problemas de pele.

Ou ainda, que não é rica, mas possui produtos de melhor qualidade. Que é magra e aparenta o ar de saudável, apesar de ter uma dieta baseada em vinhos, baguetes e queijos. Não à toa, uma das expressões mais utilizadas para descrevê-la é effortless chic, isto é, chique sem esforço.

Em outras palavras, é como se ela fosse “naturalmente” perfeita, segundo um padrão de beleza bem específico, excludente, machista, racista, gordofóbico – a lista é grande! Por isso, ser uma parisiense nesses termos é quase impossível, e nem é porque não nascemos na França.

As parisienses reais são inspiradoras

Apesar de tudo isso, eu admito que a maioria de mulheres que circulam pela cidade – sejam elas nascidas em Paris ou não – são muito estilosas. Todas elas possuem aquele je ne sais quoi que prende o olhar.

E acho que é esse charme misterioso que me motiva tentar descrever o que seria o real estilo da parisiense – ou melhor, das parisienses. Falo no plural porque a forma delas se vestirem são extremamente destoantes entre si.

Pessoas passando pelo Jardim de Tuileries, em Paris.
Veja como a moça sentada está vestida. Nada a ver com que imaginamos enquanto parisiense, né? Foto: Bárbara Ábile.

Na Rue de Rivoli, você encontrará as que mais estão ligadas em tendências de moda e do TikTok. Em alguns pontos do centro e do norte de Paris, roubam a cena os looks completos de streetwear, no qual reinam os conjuntos. Próximos às Universidades de Paris, observam-se mulheres com roupas mais práticas e simples, mas compostas de forma surpreendente.

É claro que tem aquelas mulheres que se vestem como se tivessem saído de uma Fashion Week – e, às vezes, elas realmente estão. Mas também tem aquelas que priorizam o conforto acima de tudo, cujo look se resume em boné, moletom e tênis.

Enfim, os estilos das parisienses são muitos e variam conforme inúmeros aspectos. Você pode até achar que um ou outro dá mais ou menos match com o seu gosto pessoal, mas o magnetismo de todos eles é inevitável.

Décadence avec élégance

Tem um estilo parisiense muito específico que é, de longe o meu preferido. Eu o descreveria como uma mistura de décadence avec élégance, ou em português, decadência com elegância.

Nele, as peças vestidas não são coordenadas ou combinadas em cores, estampas e texturas. Às vezes ele aparece como uma mistura de vários elementos, outras com apenas uma cor ou uma estampa dos pés à cabeça.

Mas o grande diferencial dele é que sempre tem algum item na composição que não funciona, que destoa. Por exemplo, roupas mais sociais com uma meia neon e estampada aparecendo. Ou, uma combinação perfeita de peças, mas com uma bolsa de luxo ou o sapato caríssimo meio surrados.

É o vestido de festa com tênis simples e sem maquiagem. Um batom vermelho, mas levemente borrado. O cabelo com aspecto de sujo, preso em si mesmo. A unha descascada. Há quem diga que é a beleza com a feiura ao mesmo tempo. Eu sou da opinião de que é apenas a vida real, mesmo.

Afinal, é impossível ter um cabelo tão alinhado, se você precisa passar pela Avenue de France e suas rajadas de vento. Andar de salto, se você for jantar na rue Mouffetard. A boina inclinada, se você pretende pegar uma bicicleta para ir de um arrondissement a outro. E o batom intacto, se seu plano é dar uma mordida na baguete na volta da padaria.

Comparando com o estilo das brasileiras

Tomar como parâmetro o estilo das brasileiras é uma ferramenta interessante para delinear melhor o que seria o estilo das parisienses reais. Afinal, os estilos das mulheres da capital francesa são tão distantes dos estilos das mulheres brasileiras, quanto a França é do Brasil.

É óbvio que tanto em um, quanto em outro país, a diversidade é enorme, principalmente em termos climáticos. Similarmente, é possível encontrar alguns pontos de encontro entre os estilos, o que pode ser explicado pelo acesso às referências semelhantes, seja através da internet e das redes sociais, seja através de lojas de departamento e marcas que atuam nos dois países.

Mas entre a francesa e a brasileira, ou entre a parisiense e a paulista, por exemplo, eu enxergo dois tipos de beleza completamente diferentes, que pode ser resumido no fato de que a segunda me parece mais vaidosa e dedicada à aparência do que a primeira.

Um choque de aparências

Isso fica muito nítido para mim quando passo um tempo na França e volto para o Brasil e vice-versa: é uma sensação de deslocamento eterno.

Sempre que chego no Brasil, me sinto muito desarrumada, ou melhor, mais para “décadénce”. Demoro um tanto de tempo para me acostumar novamente com os modos e modas do meu país de origem. Até que me encontro, e finalmente me aposso de todas as texturas e estampas maravilhosas que só a moda brasileira oferece. E esse estilo se mantém até voltar para a França.

Mulheres andando de patinete em Paris.
Consegue andar de bicileta ou patinete com o que você está vestindo? Isso significa que você fez uma ótima escolha!

Ao chegar no Hexágono após um tempo em terras brasileiras, me sento arrumada demais, montada demais, exageradamente “élégante“. E assim, eu vou me desfazendo de grande parte de meu guarda-roupa, repensando minhas escolhas, inserindo um pouquinho mais de décadénce na minha aparência.

Decodificando as parisienses reais

Tenho a opinião de que na França, e mais precisamente em Paris, a forma das mulheres se vestirem é muito mais simples, confortável e prático se comparamos com o Brasil, de maneira geral.

Nesse sentido, tem alguns elementos que eu amo no estilo das mulheres que vejo nas ruas de Paris. Na minha visão, eles ajudam a dar uma precisão ainda maior disso que chamo de estilo das parisienses reais.

Preferência por roupas de segunda mão

Como vocês já devem saber ou imaginar, loja de roupas é algo que não falta na França.

No entanto, enquanto muitos viajantes fazem filas para comprar modelos supostamente exclusivos nas boutiques de luxo, as lojas e comércios de segunda mão, assim como os Mercados de Pulgas, ficam lotados! Dê uma caminhada pelo Marais em um sábado à tarde e você saberá do que eu estou falando.

Definitivamente, ir a um brechó em Paris é um investimento de tempo. Por mais que você precise se entregar a uma atividade de garimpo que pode custar a integridade de sua respiração por algumas horas, eu te juro que vale a pena.

Depois que entendi o valor desses espaços na cidade, passei a frequentá-los regularmente e te digo com muita felicidade: as crises de espirro que tive valeram muito à pena, tanto esteticamente quanto financeiramente.

Cores mais neutras

A paleta de cor das roupas que vejo nas ruas de Paris me parece muito mais restrita, em comparação com as que vejo em São Paulo e em outras cidades brasileiras. Na capital francesa, as cores são muito mais neutras, com uma incrível dominância do azul marinho, do branco e do cinza.

Mesmo quando se tem cor, é como se as mulheres se vestissem com as tonalidades que vemos na própria cidade: o verde escuro das árvores, o bege dos prédios, o verde claro do Rio Sena, o bordô das portas antigas – ou dos vinhos.

Parisienses sentados em um restaurante na capital francesa.
Essa foto diz tudo: quase não há distinção entre as cores do ambiente e das roupas das pessoas. Foto: Bárbara Ábile.

Na minha opinião, acho essas escolhas muito interessantes porque permitem um intercâmbio de peças muito fácil.

Um outro tipo de beleza

Confesso que sempre fui preguiçosa e pouco habilidosa para fazer penteados no cabelo, mesmo que mais simples. Também detesto a sensação da base no rosto e tenho pavor de manchar peças com pigmento de corretivo ou blush.

Por isso me identifiquei muito quando vi que muitas parisienses não se preocupam com o estado do cabelo ou com maquiagens super elaboradas. Um coque meio capenga e um batom malpassado basta – e fica um charme! No entanto, esse ainda é um ponto sensível quando estou no Brasil, e por vezes fico tentada a aprender a fazer um olho bonito ou acertar o lugar o iluminador.

A parte boa é que, ao renunciar a tanta maquiagem, aprendi a cuidar melhor da minha pele e tenho sentido benefícios bem interessantes!

Detalhes nonchalantes

Tem vários outros detalhes no estilo das parisienses reais que me chamam a atenção. Um deles é a quantidade de anéis que elas usam na mão, em sua maioria da cor prata. Outro detalhe interessante é a quase ausência de salto.

A não ser em situações muito específicas, o sapato que mais vejo é, sem dúvida, o tênis, e no máximo, uma bota nos dias de chuva. Nos dias de calor, quem reina são as sandálias de estilo chinelo, que deixam à mostra as unhas dos pés pintadas de vermelho.

Por fim, noto que aparentemente ter uma ecobag pronta para uso deve fazer parte do modo de sobrevivência de qualquer pessoa que mora em Paris. No caso das mulheres, com frequência vejo a combinação da sacola de pano com uma bolsinha mais arrumadinha, pendurada na transversal do corpo.

Aquele empoderamento que faz a gente sorrir

Me encantou muito como essas mulheres têm hábitos de se vestir que, muitas vezes, demoram a se enraizar no Brasil. Um deles é o costume de sair com a barriga de fora, independentemente do tamanho da sua barriga.

Também adorei (e peguei para mim) a preferência por calças mais largas: esse aqui me surpreendeu bastante, pois na época que percebi isso na França, a calça skinny ainda era o suprassumo do estilo no Brasil. Por fim, a abolição do sutiã no dia a dia também foi algo que me encantou, apesar do choque à primeira vista.

Que estilo de parisiense eu quero ter?

Acima de questões estéticas e de estilo de vida, uma das coisas mais legais que aprendi com o estilo das parisienses reais é me vestir com mais liberdade e conforto. Além disso, aprendi também que é possível se sentir bem e bonita mesmo não estando dentro de padrões de beleza ou perfeição.

E é por isso que sinto que é essencial quebrar esse mito que circula tanto por aí sobre esse estilo em específico. Se aquele da parisiense real te permite várias possibilidades, o da parisiense da boina vermelha coloca uma série de limites e critérios que, como vimos, são um tanto inalcançáveis e ultrapassados — o que não tem nada a ver com Paris.