Nas últimas semanas, os protestos contra o turismo na Europa têm ganhado os noticiários. As principais cidades do continente se tornaram palcos de importantes debates sobre o chamado “sobreturismo”, ou seja, o alargado número excessivo de turistas nas ruas e nas suas principais atrações, o que tem causado algum incômodo na vida dos moradores locais e na dinâmica das cidades.

Protestos contra o turismo na Europa tomam conta das ruas.
Índice É preciso debater os impactos e pensar em soluções Em Portugal, excesso de barulho, fechamento de comércio tradicional e escassez de imóveis Em Veneza, bilhete de entrada e grupos limitados Amsterdam também cria medidas para reduzir o turismo de massa População sai às ruas para protestar em Barcelona Sobreturismo se espalha por outras cidades ao redor do mundo Não é só o continente europeu que vive a insatisfação Nas cidades europeias mais visitadas, há mais turistas do que residentes

É preciso debater os impactos e pensar em soluções

Não há dúvida que o maior número de pessoas exige das autoridades medidas para fazer frente aos engarrafamentos, à maior geração de lixo, à poluição e a outros problemas que naturalmente surgem em situações de maior fluxo de pessoas.

Você já tem o seu seguro viagem para Europa?

Não deixe que a falta desse documento obrigatório estrague os seus planos! Sem ele, você poderá ser barrado na imigração. No Seguros Promo, você garante a tranquilidade de estar coberto em qualquer situação com o melhor preço. Viaje seguro e sem preocupações!

Cotar o meu e viajar seguro →

Por outro lado, a maioria destas mesmas cidades depende do turismo, não apenas como gerador de divisas, mas também como setor que traz diversidade, abre novas oportunidades, enriquece a sociedade do ponto de vista da cultura e da inclusão, abres milhares de postos de trabalho.

Achar o equilíbrio nesta equação é o maior desafio do poder público e também da iniciativa privada.

Em Portugal, excesso de barulho, fechamento de comércio tradicional e escassez de imóveis

A maior cidade do país e, sem dúvida, o principal destino turístico de Portugal, Lisboa já não é mais a mesma. Pelo menos na opinião dos moradores locais, que muitas vezes já se veem obrigados a deixar os bairros mais tradicionais e boêmios, cujos imóveis acabam sendo transformados em alojamentos locais ou bares. E sempre com o preço dos pontos a subir cada vez mais.

Quem resiste, reclama do excesso de barulho nas ruas, sujeira e alguma insegurança. Por trás das inquietações, um dos fenômenos é a quantidade crescente de pessoas — incluindo um número gradativo de turistas — que saem às ruas para beber, por exemplo. Neste caso, já há sinalizações específicas em determinadas ruas pedindo silêncio, com texto em inglês e português.

Aviso de silêncio em Lisboa
Moradores de Lisboa reclamam do barulho e colocam placas de silêncio para chamar a atenção. Foto: observador.pt/

Matéria veiculada pelo jornal Observador explica que o excesso de barulho é devido ao aumento da quantidade de estabelecimentos que vendem bebidas a preços baixos e funcionam além do horário permitido.

Uma das juntas de freguesia (uma espécie de subprefeitura) adiciona em sua página no Facebook que há:

“[…] falta de fiscalização por parte da Câmara Municipal de Lisboa e das entidades por ela tuteladas, que só nos últimos dois anos e meio, permitiu a abertura de mais de uma centena de estabelecimentos (provavelmente ilegais, face às normas em vigor)”.

Turismo de copos

Uma das vozes ativas neste desafio de buscar que o espaço urbano seja utilizado de forma mais civilizada é a associação Aqui Mora Gente, que tem um importante histórico de denúncias contra os excessos associados à vida noturna na região.

Em entrevista para o jornal Público, a dirigente da entidade lamenta o que chama de “turismo de copos”.

“As pessoas estão cansadas. Temos assistido o agravamento da percepção de insegurança, com o crescimento da criminalidade e da atividade de indivíduos a assediarem as pessoas para vender droga”.

Isabel Sá da Bandeira apoia a campanha da sinalização, mas entende que talvez não adiante muita coisa. “São precisas medidas mais duras, como em Amsterdam ou Barcelona”. E a representante da entidade vai mais longe: “não adianta apenas pedir silêncio, é preciso relembrar que também é proibido urinar na rua”.

Aqui cabe uma ressalva importante: em todos os debates sobre o tema, a culpa não recai apenas nos turistas estrangeiros, apesar da quantidade crescente de cidadãos de outros países circulando pela noite lisboeta, por exemplo. Há uma parcela de moradores locais que também ajuda a tornar o problema mais grave. 

Comércio tradicional e casas de fado perdem espaço para bares de rua

Nesta onda de cada vez mais turistas na vida noturna portuguesa se pautando pelo preço baixo das bebidas, alguns pontos icônicos da cidade — como casas de fado e comércio tradicional — perdem espaço para bares “low cost”.

Comprar euro mais barato?

A melhor forma de garantir a moeda europeia é através de um cartão de débito internacional. Recomendamos o Cartão da Wise, ele é multimoeda, tem o melhor câmbio e você pode utilizá-lo para compras e transferências pelo mundo. Não perca dinheiro com taxas, economize com a Wise.

Cotar Agora →

A presidente da junta de freguesia da Misericórdia, que está à frente de bairros boêmios e tradicionais de Lisboa, reconhece que o “turismo de copos” prejudica a qualidade de vida dos moradores. Em entrevista para o jornal O Globo, Carla Madeira afirma que os lisboetas convivem bem com os turistas e são pacíficos, mas não gostam quando são desrespeitados.

A presidente da junta lembrou dos recentes episódios de descontentamento com o turismo de massa nas cidades espanholas e chegou a admitir que os moradores também poderão protestar, “porque as pessoas ficam revoltadas”.

Lei proíbe a venda de bebidas em copos plásticos

Não é por falta de legislação que os excessos são cometidos. Há regras sobre horários de funcionamento dos bares, sobre características dos estabelecimentos comerciais, entre outras. Mais recentemente, os bares e restaurantes de Lisboa foram informados sobre a proibição da venda para fora de bebidas em copo plástico de utilização única.

A decisão consta de um despacho publicado em maio no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa. O foco prioritário não está diretamente relacionado ao turismo, mas sim ao lixo gerado nas ruas da cidade.

Por outro lado, a medida acaba servindo como um inibidor da prática de “pular” de bar em bar pelas ruas, carregando um copo plástico nas mãos.

Taxa de turismo em Lisboa duas vezes mais cara

O valor não é de assustar, mas vai duplicar a partir de 1 de setembro de 2024. A chamada Taxa Turística de Dormida, quantia normalmente cobrada nos estabelecimentos hoteleiros, passará de 2€ para 4€ por noite e por hóspede, segundo proposta recém-aprovada pela Câmara de Lisboa.

O documento inclui também a atualização da taxa turística dos que chegam por via marítima, também duplicando o valor, de 1€ para 2€, por passageiro.

Sintra não é Disneylândia

Outro importante destino turístico de Portugal, Sintra também tem enfrentado desafios com o excesso de turistas. Nas últimas semanas, as varandas e janelas das casas e apartamentos da cidade, bem como vitrines do comércio local, trazem cartazes e faixas que deixam claro o descontentamento:

“Queremos Sintra viva e habitada, NÃO turismo de massas!”

As mensagens, muitas delas em inglês, lembram, por exemplo, que “Sintra é diferente de Disneylandia”.

Placas de protesto contra turismo em massa, em Sintra.
Moradores de Sintra também deixam claro o seu descontentamento com o turismo em massa. Foto: Divulgação.

A associação civil e independente QSintra — Em Defesa de um Sítio Único, está à frente da iniciativa e divulgou um manifesto, “Sintra é de todos e precisa de todos”, que traz, entre outros pontos, a necessidade de a cidade combater a “excessiva dependência” do turismo.

“O turismo é importante para Sintra, mas não pode ser um fator de desqualificação da paisagem e não pode prejudicar o dia a dia dos habitantes”.

Números do turismo em Portugal batem recordes

Os principais indicadores do turismo em Portugal bateram recordes em 2023, ajudando a explicar porque muitos moradores se sentem “sufocados” com tantos visitantes estrangeiros.

As receitas geradas pelo turismo no ano passado foram de cerca de 6 bilhões de euros, segundo dados iniciais do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). O valor é 20% superior ao de 2022 e mais de 40% acima do de 2019, antes da pandemia.

Do total, 4,6 bilhões de euros vieram das hospedagens, 43% superior ao registrado em 2019.

Em 2023, o país recebeu mais de 26 milhões de hóspedes, que registraram pouco mais de 77 milhões de pernoites. A alta nas receitas com hospedagem não se deve apenas ao maior número de hóspedes, mas também da alta dos preços: em média, os valores por noite subiram pouco mais de 9% na comparação com o ano anterior.

Dados sobre a chegadas de turistas em Portugal
Dados preliminares consideram apenas os resultados dos estabelecimentos turísticos, sem contabilizar outras atividades do setor. Fonte: INE

E uma estimativa mais ampla, as receitas diretas e indiretas do turismo em Portugal devem chegar à soma de 25 bilhões de euros.

Em Veneza, bilhete de entrada e grupos limitados

Veneza foi a primeira cidade do mundo a criar um bilhete de entrada, quase como se fosse um parque de diversões, a ser pago pelos turistas sob certas condições. A iniciativa foi lançada em abril como um projeto-piloto e previa o pagamento de 5€ por pessoa como “ingresso” na cidade, apenas para os que não pernoitassem. Ou seja, para o turista que fazia algo como um “bate e volta” em Veneza.

No período experimental recém-finalizado, a cidade italiana arrecadou pouco mais de 2 bilhões de euros. A iniciativa e o montante, porém, não deixaram de receber críticas dos moradores locais e de algumas associações. Para tais grupos, o valor é baixo e não serviu para reduzir o número de visitantes.

Agora, passado o teste inicial, já há novos planos:

“A primeira fase experimental não revelou efeitos tão significativos no fluxo de turistas, mas a situação vai mudar quando o bilhete máximo for aumentado para 10€”, disse as autoridades locais.

O objetivo é que os turistas fiquem em Veneza por mais tempo, gerando receitas para a cidade. Com o modelo em que o turista passa poucas horas na cidade, não há grandes ganhos em termos financeiros.

Amsterdam também cria medidas para reduzir o turismo de massa

Amsterdam também entra nos protestos contra o turismo na Europa e o problema já é antigo.

“Queremos tornar e manter a cidade habitável para residentes e visitantes. Isto significa: nada de turismo excessivo, nada de novos hotéis e nada mais do que 20 milhões de dormidas de turistas por ano”, anunciaram as autoridades holandesas.

E uma das medidas anunciadas é a proibição de construção de novos hotéis. Agora, só serão dadas novas licenças para unidades hoteleiras caso alguma outra feche. Ainda assim, um eventual novo empreendimento não pode ter mais quartos do que o que for fechado e ainda deve ser melhor, sob diversos critérios, como, por exemplo, ser mais sustentável.

Outras medidas já haviam sido tomadas, como a proibição do consumo de cannabis nas ruas do famoso Red Light District e o fim das visitas guiadas para ver as prostitutas nas vitrines do mesmo bairro.

Vale lembrar que em 2023 a câmara municipal já havia lançado uma campanha polêmica dirigida especialmente aos turistas ingleses, na faixa dos 18 aos 35 anos. Em vídeo oficial, a mensagem Stay Away (fiquem fora, em tradução livre) procurava desencorajar a vinda deste público.

Os ingleses costumavam chegar em grande número, principalmente para despedidas de solteiros, lotando as ruas, consumindo álcool e drogas em excesso, o que acabava criando situações de confrontos com os moradores locais, cada vez mais hostis aos “forasteiros”.

O comunicado reforça que todos são bem-vindos, se cumprirem a legislação local e não causar transtornos para a população. “Os visitantes são bem-vindos, mas os residentes são a prioridade”.

População sai às ruas para protestar em Barcelona

Nas últimas semanas, os protestos contra o turismo na Europa ganharam destaque em Barcelona. A imagem de moradores atingindo turistas com pistolas de água estampou a imprensa de todo o mundo. A ação mais radical é resultado de um descontentamento crescente dos cidadãos espanhóis, que veem no turismo excessivo a escalada de preços, especialmente nos aluguéis.

Segundo a polícia local, quase 3 mil moradores de Barcelona saíram às ruas como forma de protesto. Com palavras de ordem e cartazes, davam voz a mensagens como “Turistas, vão para a casa”, “Barcelona não está à venda” e “Menos visitantes, mais habitantes”.

Além da preocupação com os valores dos aluguéis, que subiram cerca de 70% na última década, a preocupação dos manifestantes é também com o comércio local e com as condições de vida na cidade, especialmente no que se refere à limpeza, barulho e trânsito.

A alta dos aluguéis é um fenômeno que ocorre pela transformação de prédios em alojamento locais, diminuindo a oferta de residências para os moradores.

Governo tem tentado controlar a situação dos aluguéis

Em junho deste ano, porém, o governo local anunciou uma medida drástica para reverter esse cenário: não serão concedidas novas licenças para alojamento local e todas as já existentes — cerca de 10 mil oficialmente registrados — serão canceladas no final de 2028. A meta é que em Barcelona:

“[…] cesse completamente a atividade dos apartamentos turísticos e que as 10 mil casas entrem no mercado para serem habitadas regularmente pelos residentes de Barcelona”.

Barcelona é a cidade mais visitada da Espanha, que por sua vez é o segundo país europeu mais procurado pelos turistas, perdendo apenas para a França. Em 2023, recebeu mais de 12 milhões de turistas (como referência, a cidade possui pouco mais de 1,6 milhão de moradores), enquanto na Espanha foram mais de 85 milhões de turistas.

Sobreturismo se espalha por outras cidades ao redor do mundo

O excesso de turistas não é “privilégio” das grandes capitais ou dos destinos mais tradicionais. Com a facilidade das viagens, há cada vez mais localidades enfrentando os desafios de ter que acolher um número de pessoas que chega a ser dez vezes superior ao tamanho da população local.

Recentemente, a ilha de Capri, na Itália, barrou a entrada de todo e qualquer turista por estar com um problema de abastecimento de água. Com a disponibilidade reduzida, nem para os moradores estava sendo suficiente. Barcos que já estavam a caminho tiveram que retornar.

A medida já foi suspensa, mais ficou o alerta: será que a cidade está preparada para receber tanta gente? O dirigente de uma associação ligada ao comércio local afirma:

“[…] há mais pessoas chegando do que as que conseguimos aguentar e as famílias não conseguem criar raízes porque não têm dinheiro para ficar”. Na alta temporada, entra na cidade diariamente quase o dobro da população local.

Turismo em excesso em Veneza, Itália.
Veneza é uma das principais cidades europeias que sofre com o excesso do turismo.

Outro exemplo recente é o da aldeia de Hallstatt, na Áustria, considerada por muitos a mais bonita da Europa e que teria servido até de inspiração para os cenários do filme Frozen.

Com cerca de 800 moradores, recebe cerca de 10 pessoas por dia. E todos se aglomeram em alguns pontos estratégicos para selfies com o fundo deslumbrante da aldeia.

A solução do governante local foi erguer uma parede de madeira que cobria a visão a partir do ponto mais “estratégico” para os turistas ávidos pela lembrança. A parede já foi abaixo, mas mensagens foram colocadas no local pedindo que os turistas lembrem que ali vivem pessoas, com sua rotina, sua privacidade.

Não é só o continente europeu que vive a insatisfação

Outra recente manifestação de descontentamento com o sobreturismo aconteceu no Japão, onde uma pequena cidade costumava receber centenas de turistas para tirar fotos do Monte Fuji, numa localização bastante privilegiada para o registro fotográfico.

A solução: instalaram uma enorme tela preta diante do ponto mais concorrido para as selfies, eliminando a possibilidade de que as imagens registrassem o monte.

Um comerciante local explicou que, apesar de a cidade depender muito do turismo, os visitantes jogam lixo nas ruas, atravessam a estrada de forma arriscada, ignoram os semáforos e até invadem propriedades privadas. E tudo para tirar selfies do Monte Fuji, num ponto que parece ter realmente uma visão privilegiada.

Nas cidades europeias mais visitadas, há mais turistas do que residentes

Um recente ranking das capitais europeias com mais turistas em relação ao total de moradores coloca Veneza no topo da lista, com 12 turistas para cada morador. Veja os dados de outras cidades:

CidadeQuantidade de turistas para cada morador
Dublin11
Tallin10
Paris9
Atenas e Praga8
Edimburgo7
Copenhagen e Lisboa6
Estocolmo, Viena e Roma4
Londres3
Budapeste, Bruxelas, Madrid e Berlim2

Fora das capitais, os números da desproporção são ainda maiores: Dubrovnik, na Croácia, recebe a média de 36 turistas por habitante.

Atrás dela, Bruges, na Bélgica, Rhodes, na Grécia, todas com média de 21 turistas por habitante; e Reykjavik, na Islândia, com 16 para 1.