Retornando a Paris após 4 anos, percebi que muita coisa mudou — mais em mim, do que na cidade. Em 2018, morei seis meses em na cidade por conta de meu mestrado. Cheguei na cidade sem conhecer nada, nem ninguém. Eu falava pouco francês, mas fui com mala e cuia para viver essa aventura que se tornou um divisor de águas em minha vida.

Mulher na Torre Eiffel, em Paris.
Índice Volto porque preciso Paris, je reviens Retornando a Paris após 4 anos Recuperando o tempo perdido Paris sera toujours Paris, já eu… Uma nova cidade Recuperando o olhar apaixonado Idas e vindas

Voltei para o Brasil querendo ficar na França e, desde o momento em que pisei em terras tupiniquins, comecei a arquitetar minha volta. E nesta coluna, compartilho sobre o meu percurso de volta.

Volto porque preciso

Muita gente decide sair de seu país natal, e os motivos são vários: um novo amor, um novo trabalho ou novas oportunidades de vida.

Nenhuma dessas eram minhas motivações para retornar à Paris. Meu grande amor estava no Brasil, assim como o meu trabalho. As oportunidades de vida eram inegavelmente melhores na França, mas não é como se eu tivesse alguma proposta irrecusável em minhas mãos.

Eu quis voltar a morar em Paris porque eu precisava.

Eu tinha saudade de tudo

Ao voltar ao Brasil, depois dessa primeira estadia de 2018, me lembro que constantemente eu chorava de saudade de algo que não sabia descrever o que era, porque era coisa demais.

As cores da cidade, o som do sinal que avisava a chegada de uma nova estação no metrô, as paisagens ao longo dos trajetos, o gosto das comidas, as palavras que eu não conhecia, a temperatura ao longo das estações do ano, a demora ao amanhecer no inverno, o som do “Bonjour” cantado da atendente da boulangerie.

Tudo isso era tão vivo e, ao mesmo tempo, tão distante em minha memória, que às vezes, eu achava ter vivido um sonho.

As coisas acontecem quando tem que acontecer

Mentalizei, planejei e desejei essa volta mais do que qualquer coisa, mas muitas dificuldades se colocavam em minha frente quando eu pensava nesse retorno.

Apesar de tanto planejamento, minha volta à Paris não aconteceu nem do jeito, nem no tempo que eu havia imaginado. Foi tudo surreal, rápido e inesperado. E, quando aconteceu, era coisa de tipo: em 6 meses eu estaria lá novamente.

É difícil entender isso, mas de fato, as coisas só acontecem quando elas têm que acontecer.

Paris, je reviens

Entrei em um misto de animação e ansiedade nos dois últimos meses antes de retornar à Paris após 4 anos, que eu quase não dormia.

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Para além do cansaço, havia toda a preocupação de dar conta da burocracia que uma mudança deste tamanho exige: documentos, visto de pesquisador, comprovantes, seguro viagem, solicitações de reembolso, busca por passagem para França, entre outras mil coisinhas a mais.

Era começo de 2022 e, apesar da pandemia estar em um momento mais ameno, ainda havia muitos detalhes para se preocupar na hora de fazer uma viagem internacional.

No dia do embarque, eu estava tão nervosa que, quando cheguei no aeroporto, não sabia o que fazer.

Brinco até hoje com minha família que meu QI caiu para a metade naquele momento. Era tanta emoção de voltar a morar na França e deixar aqueles que amo aqui, que eu mal conseguia raciocinar para qual guichê ir, onde despachar minha mala, e onde estavam meus documentos.

Só consegui me acalmar quando senti o avião decolando. Chorei de felicidade e pensei comigo mesma que, finalmente, eu estava voltando para casa.

Cantarolei baixinho o final de uma música de Jacques Brel, na qual ele diz “Paris, je reviens” (no bom português, Paris, estou voltando).

Retornando a Paris após 4 anos

Posso dizer que essa viagem de retorno à Paris após 4 anos foi, no mínimo, caótica.

O voo saiu super atrasado do Brasil e, consequentemente, eu não consegui chegar a tempo para pegar a conexão que eu tinha que fazer em Portugal. Fiquei um tempão no aeroporto de Lisboa esperando o próximo vôo para Paris, e acabou que ele acabou atrasando também.

Eu já fazia quase 20h de trânsito quando, finalmente, cheguei na capital francesa. Meu corpo estava cansado, mas meu coração estava alegre ao ver as placas em francês, ouvir a língua sendo falada e sentir o carpete vermelho e macio do Aeroporto Charles de Gaulle sob meus pés.

Resolvendo perrengues de bom humor

Desde quando retornei a França após 4 anos, me deparei com uma série de perrengues. Mas, eu estava tão feliz de estar lá que resolvia todos eles de bom humor. A essa altura, nada me abalava!

O primeiro deles foi que cheguei, mas tive a mala extraviada. Tive que pedir ajuda a um funcionário do aeroporto e, enquanto eu preenchia o formulário de busca, pensava o quão engraçado era ter passado 4 anos sentindo saudade de conversar em francês, e calhar de eu ter justo esse tipo de diálogo nos primeiros minutos de minha chegada no país.

Ponte Alexandre III em Paris.
Nos primeiros dias, eu alternava entre perrengues e passeios pelos meus lugares preferidos da cidade. Foto: Bárbara Ábile.

Questão da mala encaminhada, hora de ir para minha nova casa. Com todos os atrasos, acabei chegando lá mais tarde do que o previso e, consequentemente, já não havia mais nenhum lugar próximo que estivesse aberto para eu comer.

Botei mais uma vez o francês para jogo pedindo sugestões aos seguranças da moradia onde eu estava alocada, e acabei me contentando com um sanduíche simples jambon fromage.

Você não queria falar em francês? Então fala!

Os primeiros dias foram cheios de oportunidades de matar a saudade de falar em francês, já que até as coisas mais simples pareciam não funcionar comigo.

Juro que a essa altura, o meu QI já tinha voltado ao índice normal e que eu ainda lembrava de todos os procedimentos básicos que precisamos fazer ao chegar em outro país para morar: comprar chip de celular, cartão de transporte público, fazer a validação do visto, contratar o seguro incêndio para o dormitório, solicitar o cartão da universidade e fazer compras online.

Mas, por alguma brincadeira do destino, todos esses itens apresentavam algum tipo de problema e, por estarmos falando da França, a resolução deles envolvia longas chamadas telefônicas ou envio de cartas.

Até o perrengue tem utilidade

Como resultado, ao fim da primeira semana, eu já tinha me livrado dessa insegurança tão comum a vários imigrantes de falar a língua de seu novo país.

Afinal, após conseguir explicar problemas e encontrar a soluções com companhias aéreas, corretoras de seguro, empresas de transporte público e afins, em uma língua que não é a sua, você sente que pode fazer tudo! Pronunciar o “bonjour” cantado ficou até mais gostoso.

Recuperando o tempo perdido

Enquanto planejava meu retorno à Paris após 4 anos, eu estava convicta de que ao chegar na cidade, eu dedicaria meus primeiros dias para fazer tudo o que senti mais falta durante esses longos anos longe.

Portanto, uma vez na cidade, busquei concretizar esse plano. Uma das coisas que mais me fazia falta era, exatamente, o lugar onde eu morava em 2018. Não foi à toa que, em 2022, fiz questão de me alojar na mesma moradia universitária na qual morei em minha primeira temporada na França.

Outra coisa que fiz foi, ao acordar no dia seguinte, comprar um croissant na minha boulangerie preferida e comê-lo no parque Montsouris.

Como meu aniversário estava chegando, decidi também ir conhecer o grand magasin La Samaritaine, que havia reinaugurado enquanto eu ainda estava no Brasil. Lá, comprei um tênis que não consegui comprar da última vez que estive na cidade.

Viver é melhor que sonhar!

Na mesma semana, passei na rede de supermercados na França que eu sempre frequentava e fiz uma compra grande e inconsequente, de tudo o que me chamava a atenção e me dava vontade.

Retornando a Paris após 4 anos não economizei na conta no supermercado.
Retornando a Paris após 4 anos, a primeira compra de supermercado foi para matar todas as vontades. Foto: Bárbara Ábile.

Foram potes de Spéculoos, uma pasta típica da Bélgica que, na minha opinião, consegue ser mil vezes melhor que pasta de avelãs; os vinhos mais interessantes que encontrei; frutinhas diferentes; minha muesli preferida; muitos e muitos tipos de queijos; comidinhas congeladas que eu gostava; sabonetes que eu costumava usar; a pasta de dente que me encantava pela cor, entre outros.

Foi um ótimo começo para mim. Organizei meu quarto de maneira aconchegante, preparei minha rotina de trabalho e comecei a viver tudo o que eu havia sonhado nos anos anteriores.

Paris sera toujours Paris, já eu…

Enquanto estava no Brasil, eu costumava ouvir várias músicas sobre Paris — cheguei até fazer uma playlist, que estou ouvindo enquanto escrevo esse texto.

Essas músicas me inspiravam, mas também me faziam companhia nos dias de mais nostalgia. Uma delas repetia que “Paris sera toujours Paris” e, de certa forma, isso me acalmava. Eu pensava que, se Paris será para sempre Paris, eu encontraria minha tão amada cidade do mesmo jeitinho que eu a havia deixado em 2018.

Maurice Chevalier não estava errado quando cantou essas frases em 1939. Retornando à Paris após 4 anos, ela estava, de fato, igual.

Dia nublado em Paris
Caminhar por Paris e reconhecer a cidade e os deslocamentos fez parte dos meus dias logo após a chegada.

A moradia universitária onde eu havia morado estava do mesmo jeito, e seus funcionários também eram os mesmos. Posso dizer algo semelhante da biblioteca em Paris que eu mais frequentava: surpreendentemente, a mesma pessoa que me entregava os documentos que eu reservava em 2018, estava entregando os documentos que eu reservava em 2022.

A boulangerie, os pequenos comércios e os mercados também seguiam no mesmo lugar, até mesmo o senhorzinho simpático que vendia flores em uma barraquinha perto de casa.

Os caminhos eram os mesmos, a rotina era semelhante, o lazer também. A cidade continuava perfeita, as exposições maravilhosas, a comida saborosa. Mas, eu estava diferente.

Os incômodos se multiplicam

Rever tanta coisa que eu amava me preencheu durante um tempo. Mas, depois de alguns meses, comecei a perceber que algumas coisas não estavam funcionando tão bem. Isso foi um tanto difícil e doloroso.

A primeira delas foi perceber que a dinâmica de moradia universitária havia me cansado. Isso me assustou muito, já que eu nunca havia cogitado morar em outro lugar enquanto planejava minha volta para Paris.

O vai e vem de gente, a coletividade e as diferenças são apaixonantes em um primeiro momento, mas depois de um tempo me deixavam um pouco irritada. Em muitos dias, eu só queria poder cozinhar em paz, ouvindo uma música e tomando um vinho, sem ter um monte de pessoas, muitas vezes desconhecidas, do meu lado.

Várias vezes desejei ter um gatinho, mudar os móveis, instalar coisas na parede e eu não podia fazer nada disso. Ainda por cima, me sentia um tanto deslocada quando as pessoas mais próximas tinham aquele furor de viver Paris de uma certa forma, enquanto eu estava com uma energia diferente.

Também passei a ter menos paciência com os franceses, ainda que nós, brasileiros, sejamos bem recebidos na França, de maneira geral. A rispidez na fala, a pressa para pegar o metrô (mesmo com intervalos de 3 minutos entre eles), as bufadas, e a mania de começar a falar em inglês ao sinal de um mínimo sotaque me tiravam do sério.

Será que eu odeio Paris?

Similarmente, tive surpresas negativas em relação à comida francesa (e em geral). Em 2018, por exemplo, eu amava comer kebabs. Essa famosa comida de rua parisiense fazia parte do meu cardápio semanal em 2018, não apenas por ser barata, mas porque eu a achava saborosíssima.

Mas, da primeira vez que tentei comer um em 2022, percebi que aquilo não era mais para mim. Senti algo parecido em relação ao Restaurante Universitário e a algumas formules específicas.

Com o tempo, outros incômodos foram aparecendo. Me cansei de visitar castelos com tanto ouro, museus com tantos quadros, e monumentos com tantos turistas. Fiquei mais crítica ao sistema de transporte, a certos hábitos e regras.

Me perguntei várias vezes se eu tinha começado a odiar Paris e me sentia confusa em relação a isso. Com o tempo, percebi que não. O ponto era que, uma vez morando na cidade, era impossível não me descolar daquela visão apaixonada que temos quando a visitamos por pouco tempo.

O que quero dizer é que, por mais que seja incrível viver em Paris, não é incrível o tempo todo. A vida acontece, os problemas também, as dificuldades surgem e, bem, isso desanima qualquer um.

Uma nova cidade

Uma vez passado o momento do susto, percebi que uma nova Bárbara estava nascendo. Como não podia ser diferente, ela começou a se revelar através das roupas, que foram ficando mais sóbrias, em um estilo à la parisienne. E conforme fui abrindo espaço para coisas novas, o que se revelou para mim foi uma nova Paris.

Na busca por novos hábitos, aproveitei a estação quente para comprar um plano da Vélib, a bicicleta de serviço livre da cidade. Ela passou a ser meu meio de transporte e lazer favorito, e inaugurou uma nova fase na minha vida parisiense. Como a cidade tem estações em cada canto, era possível ir a qualquer lugar com ela.

Retornando a Paris após 4 anos, a descobri a prática de pedalar.
Minha visão preferida: o painel da Vélib e o rio Sena. Foto: Bárbara Ábile.

Foi em cima de uma Vélib que passei várias horas pedalando nas margens do Sena, nas ruazinhas do bairro de Paris onde eu morava, pelos pontos turísticos, indo ou voltando da biblioteca, e em lugares que eu ainda não conhecia.

Me levando para viajar

Para fugir dos programas mais batidos, me aventurei nos parques nos arredores de Paris, como os de Boulogne e Vincennes, e em outros parques que eu nunca havia ido até então, como o Monceau e André Citroën. Rapidamente, virou um costume sair para pedalar, passar em um mercado ou boulangerie, comprar comidinhas e fazer piqueniques.

Como eu ficava com muita gente ao meu redor na moradia universitária, sempre tirava alguns momentos para aproveitar minha própria companhia aos finais de semana. Era eu, meus livros e meu fone de ouvido.

Também fiquei motivada para sair um pouco da cidade e conhecer novos ares. Fiz algumas viagens para fora da França e me apaixonei por outros países. Também decidi conhecer mais sobre a região que eu estava morando, e explorei cidadezinhas como Saint-Rémy-lès-Chevreuse, Auvers-Sur-Oise e Provins.

Conheci lugares lindos, e com o tempo voltei a sentir aquela plenitude de estar em Paris.

Também já compartilhei minha experiência ao estudar moda em Paris.

Recuperando o olhar apaixonado

Esse sentimento ficou ainda melhor quando meus pais, meu companheiro e algumas amigas vieram me visitar. Nada como mostrar Paris para quem você ama para recuperar aquele olhar encantado pela cidade!

Foi mostrando a Torre Eiffel a partir de um vagão da linha 6 do metrô, levando-os aos melhores lugares para comer, me responsabilizando pela tradução de tudo, e dando dicas do que vestir segundo a temperatura, que percebi que, sem dúvidas, meu amor por Paris nunca tinha ido embora. Ele tinha se transformado.

Passando esse amor para frente

O mais legal é que, de uma forma ou de outra, essas pessoas perceberam esse amor, e acabam cultivando-o nelas também, cada um a sua maneira.

Minha mãe, por exemplo, desde que conheceu Paris, tem o hábito de falar algo muito parecido com o que ficou em minha cabeça durante os 4 anos em que morei no Brasil: que ela se lembra de tudo o que viu, sentiu e comeu durante os dias que ficou lá comigo, nos mínimos detalhes. Mas, ao mesmo tempo, agora tudo parece tão distante que, às vezes, ela acha que viajar para a França foi um sonho.

Talvez, Paris tenha esse efeito nas pessoas.

Idas e vindas

Ao longo do tempo, fui deixando várias versões minhas na capital francesa, que imagino que seguem perambulando em vários pontos da cidade.

A versão que chegou em 2018, certamente segue sentadinha em algum banco da Île Saint Louis, encantada com tudo o que está vendo. A que chegou em 2022, por sua vez, deve estar pedalando com sua Vélib no bois de Vincennes, em busca de um cantinho com sombra para fazer um piquenique, enquanto lê um livro.

Piquenique no parque
Retornando a Paris após 4 anos, descobri novos hábitos e lugares. Foto: Bárbara Ábile.

Desde então, sigo nessa dinâmica de idas e vindas entre Paris e São Paulo. E a cada momento em que chego em uma das cidades, é um novo processo que se inicia, que envolve tanto eu, quanto o lugar em que estou.

Hoje, Paris, para mim é mais do que um sonho. É o lugar em que consigo me reencontrar, me autorregular e me recriar.

Quer conhecer outras histórias de brasileiros vivendo no Velho Continente? Fica a indicação da leitura do ebook “O Sonho de Viver na Europa” para se inspirar!